Ontem teve (mais) um pautão de audiências da empresa que represento. Para quem não sabe, em um dia de pautão, a gente senta numa cadeira, com um juiz e não sai. E isso vai de 10 horas da manhã às 18 horas da noite. São várias audiências durante o dia inteiro. A gente só fica vendo os clientes que acionaram a empresa entrarem, sentarem, fazerem a audiência e saírem para dar lugar a outros clientes.
Quase uma modalidade de revezamento olímpico.Como represento uma empresa, tenho que ir à audiência acompanhada de um funcionário do jurídico da empresa.
Mais freqüentemente do que se pode imaginar, somos ofendidos. As pessoas adoram nos xingar, debochar de nós, gritar conosco. Se eu entendesse de psicologia, podia jurar que era a maneira da pessoa descarregar todo o ódio que tem da empresa, apesar de tal desacarrego acontecer nas pessoas erradas. Não temos culpa dos erros da empresa, só estamos ali representando.
Mas quem representa, é de fato. Ao menos é o que devem pensar.Enfim. Eu costumava me estressar quando acontecia alguma coisa desse tipo. Entendam:
Já teve advogado que ameaçou me bater. Eu acabei adquirindo uma postura defensiva que me fazia me aborrecer e elevar meu tom de voz (já altamente sonoro) ao leve sinal de que uma dessas ofensas poderiam acontecer. Só não recebia queixas porque até meu estresse é extremamente profissional: Aborrecia-me dentro dos limites, afinal, eu estava em uma audiência, de frente para um juiz e deveria manter uma determinada postura.
Segundo um juiz, eu simplesmente sou uma advogada combativa e que veste a camisa da empresa. Um jeito mais delicado de me chamar de estressada, acho.Por isso, eu decidi mudar um pouco esse meu jeito. Resolvi, depois de conversar com uma pessoa,
que eu passaria a contar até 10 antes de me aborrecer. Logo no primeiro dia que decidi fazer isso, uma advogada disse que eu estava sendo extremamente estúpida em uma audiência. Eu tinha uma resposta pronta para ela, na ponta da língua. Mas contei até 10, me segurei, fechei os olhos e não falei mais nada até o fim da audiência.
Saí tão irritada da audiência que dei um soco na parede e fiquei reclamando daquilo infinitamente. Reprimir meus instintos me fez um mal danado. O mau-humor se instalou em mim o resto do dia. Mas passou, como tudo passa.Ontem, no pautão, prometi que nada me tiraria do sério. Uma das primeiras audiências que fiz foi de uma senhora que mentia descaradamente e eu não me alterei. No meio do dia, uma advogada veio pedir para eu adiantar a realização da audiência dele, que seria três horas depois. Eu disse que não podia, senão atrasaria outras várias pessoas com audiências marcadas na frente da dela. Ela disse que eu era a cara da empresa, que nunca facilitava nada e que estava "me achando demais". Eu não respondi.
Eu estava transcedentalmente abstraindo todas as coisas que me fariam responder mal educadamente.Eis que estou em uma audiência em que o cliente foi incluso nos cadastros de restrição ao crédito por não ter pago uma certa fatura. Ele dizia que tinha recebido 2 faturas no mesmo mês e que optou por pagar somente uma. Seria o correto. Mas o que havia ocorrido é que, no meio do mês, ele havia pedido para migrar de um determinado plano para outro. Ou seja, uma fatura daquele mês veio referente ao período até a migração e outra, referente ao período da migração até o final do mês. Nada mais justo.
Expliquei isso e o advogado do cliente disse que eu era uma mentirosa. Meu sangue começou a ferver, mas eu mantive minha calma. Ele disse que isso era só mais uma forma de enganar os clientes e que eu estava sendo cúmplice nessa farsa. E eu continuei mantendo a calma. Eu pedi para que o cliente, então, mostrasse as faturas para a juíza. Nas próprias faturas havia a menção de que uma se referia do dia 1 ao dia 14 daquele mês e a outra, do dia 15 ao dia 30 do mesmo mês. O advogado, então, segurou as faturas, olhou para mim e disse, gritando, que não iria apresentar nada.
Discutimos, ele dizia que a empresa deveria provar o que estava alegando, eu dizia que a empresa só era obrigada a provar aquilo que a parte autora não tem condições de provar. Uma vez que as provas estavam ali, na mão dele, não havia motivo para a empresa fazer a prova. Ele gritava, dizia que eu era mentirosa, burra, mil coisas.
Até que contar até 10 deixou de ser suficiente. Eu elevei minha voz, bati com a mão na mesa, e disse que ele estava omitindo provas, agindo de má-fé, e requeri a Juíza que o obrigasse a apresentar as faturas.
Ela determinou. Ele jogou as faturas na mesa, quase caíram no meu colo. Recuperei a calma e mostrei que as faturas diziam exatamente o que eu havia explicado. Não satisfeito, o advogado disse que tinha várias ações contra a empresa e que ganhava dinheiro em todas. Eu respondi dizendo que isso só mostrava a intenção dele de lucrar, não de resolver o problema.
Um modo delicado de chamá-lo de picareta.Resultado? Lógico que ele perdeu. Azar do cliente, que contratou um advogado destemperado. Eu também perdi, porque acabei descumprindo com a promessa que tinha feito a mim mesma. Mas se, por menos, eu me reprimi e, logo após, dei um soco na parede, imagina só se eu tivesse me reprimido dessa vez?
P.S.1: A promessa continua de pé. Estou fazendo o meu possível, palavra.P.S.2: Engraçado como, pela primeira vez desde que terminei meu relacionamento, há 3 meses, eu estou me sentindo bem. E não é bem de "vida que segue", não. É bem de muito bem mesmo. Estou me sentindo mais feliz, mais agradável, mais realizada, mais livre, mais interessante de se conviver e muito mais bonita. Nunca pensei que algo desse tipo pudesse me fazer tão bem! Meu ego não pára de agradecer.P.S.3: Tá, eu sei que está enoooorme o texto. Mas se você chegou aqui e leu tudo, você viu que eu precisava contar minuciosamente para ser bem compreendida...=]