domingo, março 20, 2011

Objeto de estudo

[Baseado em fatos reais]

Uma mocinha, no samba. Sambando feito mulata Globeleza, apesar de ser branquela e não ter nem o umbigo do corpão da Globeleza. Cansa de sambar, vai até sua mesa, senta, coloca cerveja no seu copo e fica olhando o povo sambar.

Chega um rapaz ao lado dela. Não é lá muito bonito, mas tem um papo bacana. Entabula uma conversa com a mocinha e ela pensa "já que minhas amigas estão lá sambando e eu estou aqui sozinha, vou dar papo pro rapaz".

- Você faz o quê? - ele pergunta.
A mocinha pensa nas mil coisas que ela faz. Inclusive falar fluentemente a língua do P. Mas simplesmente responde:
- Sou advogada.
- Advogada? Legal. Sou psicólogo.
- Hum.
- Veio direto do trabalho?
- Sim. - responde a mocinha, já meio desconfiada. Não gosta de gente que repara tudo e sai tirando conclusões sobre ela.
- É, percebi, você chegou cheia de bolsas.
- Eu podia ser muambeira.
- Não, tinha pastas de arquivo dentro das bolsas.
- Hum. - ela realmente ODEIA quando reparam muito nela.
- E você gosta do que faz.
- Pelo jeito, você também. - ela queria dizer, com todas as letras, que ele estava enchendo o saco com aquela "análise delivery", mas está num processo de evitar ser grossa, então engoliu a resposta seca.
- Gosto muito. Percebi que você gosta pelo tom que você usou pra dizer que é advogada. Com orgulho.
- Que isso. Hoje em dia qualquer um é advogado. Não sabe o que fazer da vida, faz Direito. Até a nova piriguete-sucesso-do-carnaval faz Direito. A que ponto chegamos.
- Viu só como você tem orgulho? Você se incomoda por ter gente em um nível abaixo do seu fazendo Direito.
- Eu não disse isso.
- Nem precisa.

A mocinha se irrita:

- Você veio aqui só pra me analisar?
- Não "só" pra isso.
- Hum.
- Mas você tem orgulho de ser advogada.
- Tenho orgulho de ter estudado 5 anos, de ter conseguido passar na faculdade sem reprovação (mentira, a mocinha havia sido reprovada em Economia no primeiro período), ter passado na monografia e na prova da OAB, a prova mais cascuda, com nota máxima e de ter feito tudo isso sem ter estudado.
- Sem ter estudado?
- É.
- Você é daquelas que estão cansadas de ser "inteligentes" e agora querem ser conhecidas como a "gostosa".
- Oi?
- É. Aposto que você foi inteligente a vida toda, daquelas que aprontavam, mas que sempre foram as CDFs na escola, na faculdade... E agora cansaram de serem rotuladas como inteligentes, querem ser "as gostosas".
- Oi?
- Não é?
- Nem sabia que ainda existia gente que falava CDF.

Silêncio.

- Você é perfeccionista.
- Você não cansa, não?
- Você é perfeccionista e organizada.
- Você devia cobrar pelas suas análises, não fazê-las em pleno samba.
- Você colocou os copos da mesa em ordem.
- Hum.
- E marcou o seu com a etiqueta da garrafa de cerveja.
- Isso é normal, não quero sair bebendo no copo de ninguém.
- Perfeccionista, organizada e possessiva.
- E com traços psicóticos. Juro que se você não sair daqui e me deixar ir sambar, eu jogo toda cerveja do meu copo em você.
- Já estou saindo. Posso deixar meu cartão?
- Quer saber se garrafa voa? Vou tacar na sua cabeça.


E assim a mocinha voltou a sambar.